Predizendo resistência do HIV ao Nelfinavir
Em uma recente publicação na revista
PLOS ONE, o NBLI apresenta os resultados de uma colaboração estabelecida com pesquisadores do Centro de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (
CDCT/
FEPPS). A protease do HIV-1, cuja a estrutura é representada na imagem ao lado, é uma enzima fundamental para o ciclo de replicação do vírus. Este é um importante alvo da terapia antiretroviral, sendo o Nelfinavir um dos medicamentos mais utilizados para a inibição desta enzima. A protease do HIV-1 apresenta duas regiões flexíveis, referidas como
flaps (região representada em vermelho na figura acima), as quais se abrem permitindo a entrada do substrato. Os inibidores de protease se posicionam no centro da estrutura da enzima, ocupando seu sítio catalítico e mantendo a enzima nesta conformação fechada. No entanto, o frequente surgimento de mutações nas sequências virais confere resistência aos fármacos inibidores da protease.
Em um trabalho prévio, a equipe do CDCT identificou mutações incomuns nas sequências de protease obtidas de pacientes gaúchos infectados com o vírus HIV (
de Medeiros e cols., 2011). Outras mutações mais comuns, nestas mesmas posições (30/129 e 32/131), já haviam sido descritas como sendo responsáveis pela resistência ao Nelfinavir (D30N) e a múltiplos fármacos (V32I). A questão que precisava ser respondida agora era se estas mutações "novas" (D30V e V32E), encontradas em pacientes HIV+ que ainda não estavam sendo tratados, também conferiam resistência ao Nelfinavir. Esta resposta não é fácil de se obter em laboratório, pois exige expressar e purificar
in vitro a proteína do vírus mutante. Este procedimento é muito mais difícil e caro do que a simples identificação da presença das mutações, que é realizada pela análise do DNA viral presente em uma amostra de sangue do paciente.
Neste novo trabalho, o grupo do NBLI modelou e analisou a estrutura de proteases contendo as mutações descritas pela equipe do CDCT, analisando o impacto destas mutações sobre a interação com o fármaco Nelfinavir (
Antunes e cols., 2014). Este estudo foi realizado completamente
in silico (no computador), através de ferramentas gratuitas e utilizando como entrada as sequências virais obtidas pela equipe do CDCT. Uma vez padronizados, os procedimentos utilizados neste estudo poderiam agora ser aplicados de maneira rápida e barata para quaisquer novas mutações que forem identificadas.
A protease selvagem do subtipo B
(representada em preto na figura acima), que é suscetível ao efeito do Nelfinavir, permaneceu na
conformação fechada em todas as simulações realizadas. Por outro lado,
ambas as mutações estudadas (D30V e V32E) induziram modificações
importantes no comportamento dinâmico da enzima na presença do fármaco,
efeito que de acordo com os controles utilizados é indicativo de
resistência ao Nelfinavir. A mutação V32E parece ter um efeito mais dramático na dinâmica dos flaps
da enzima, induzindo a troca para uma conformação aberta da protease em
dois dos subtipos do vírus. Imagens da conformação do complexo
Protease-Nelfinavir em diferentes momentos da simulação são apresentadas
na figura abaixo. Compare as conformações observadas para as mutantes
do subtipo B (em azul) e do subtipo C (em verde), com aquelas
apresentadas pelo tipo selvagem do subtipo B (em preto).
A mutação D30V apresentou um comportamento mais sutil, o qual foi variável dependendo do subtipo viral. No subtipo B, ela induziu uma alteração para um estado semi-aberto da protease (em verde na figura ao lado). Este estado é equivalente aquele induzido pela mutação D30N (em vermelho), cujo efeito de resistência ao Nelfinavir já foi confirmado experimentalmente (
Santos e cols. 2011). Os estados fechado e semi-aberto são diferenciados pela medida da distância entre os resíduos 25 e 50 da cadeia A da protease (linha tracejada na primeira figura do texto), sendo 1,58 nanômetros (nm) o ponto de corte para determinar a conformação semi-aberta (figura ao lado).
O trabalho também avaliou as diferentes conformações adotadas pelo fármaco na presença de cada uma das proteases estudadas, descrevendo como estas mutações interferiam na rede de ligações de hidrogênio responsável pela estabilidade do complexo Protease-Nelfinavir.
Os resultados descritos acima podem ser visualizados de forma dinâmica em vídeos que foram incluídos no material suplementar do artigo. Confira um deles abaixo:
O PDF com o trabalho pode ser baixado no site da revista
PLOS ONE.
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